adultização de crianças na internet ganhou manchetes, mobilizou influenciadores e, agora, chega ao ordenamento jurídico brasileiro. Em votação simbólica de 27 de agosto de 2025, o Senado aprovou o PL 2628/2022, que estabelece diretrizes inéditas para proteger menores no ambiente digital. O texto segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e cria regras rígidas para redes sociais, aplicativos de vídeo, serviços de streaming e desenvolvedores de jogos. A seguir, entenda o que muda, como as novas obrigações afetarão o dia a dia das famílias e que desafios estão no horizonte para empresas de tecnologia.
Por que falar em adultização de crianças na internet
O termo adultização de crianças na internet descreve a exposição precoce de menores a conteúdos, práticas e responsabilidades próprias da vida adulta. No ambiente digital, isso vai desde a sexualização em vídeos até a pressão para acumular seguidores, monetizar perfis e interagir com estranhos em lives. A urgência do tema escalou após o influenciador Felca denunciar, em vídeo viral, casos de exploração infantil para gerar cliques. Em menos de 72 horas, a publicação ultrapassou 50 milhões de visualizações e impulsionou a criação da CPI da Adultização no Senado.
Especialistas apontam três fatores que agravam o problema: algoritmos que priorizam engajamento, ausência de verificação de idade confiável e publicidade segmentada com base em dados comportamentais. Segundo pesquisa da SaferNet, 64 % dos adolescentes brasileiros já receberam anúncio direcionado sem sequer ter idade para o produto divulgado, como apostas esportivas. Esse cenário motivou parlamentares a elaborar um marco legal que coloca a infância no centro da política de segurança digital.
Principais pontos do PL 2628/2022 aprovado no Senado
O texto, relatado pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), impõe às plataformas obrigações que vão além do status quo estabelecido pelo Marco Civil da Internet. Veja o que ficou definido:
- Implementação dos mais altos padrões de privacidade e segurança por padrão para usuários com menos de 18 anos.
- Retirada imediata de qualquer conteúdo que envolva abuso sexual, aliciamento ou exploração infantil, com notificação às autoridades competentes.
- Proibição total de perfis comportamentais para direcionar publicidade a menores; anúncios só poderão usar dados de idade declarada.
- Vedação de tecnologias de análise emocional, realidade aumentada ou realidade virtual para fins publicitários dirigidos a crianças e adolescentes.
- Criação de mecanismos robustos de verificação de idade, substituindo a simples autodeclaração exigida hoje.
“Estamos atendendo a um clamor social para proteger nossos filhos sem sufocar a inovação”, destacou o autor, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), durante a sessão.
Com essas medidas, o Brasil torna-se o primeiro país das Américas a aprovar um marco legal específico contra a adultização em ambientes digitais, alinhando-se a iniciativas já em vigor no Reino Unido e na Califórnia.
Ferramentas de controle parental: o que esperar das plataformas
O PL determina que cada serviço ofereça painel de controle parental de fácil acesso. Pais e responsáveis poderão:
- Definir horários de uso e limites de tempo em aplicativos e jogos.
- Monitorar histórico de buscas, downloads e interações em rede.
- Alterar configurações de privacidade, tornando perfis de menores automaticamente privados.
- Receber alertas em tempo real caso a criança tente acessar conteúdo inadequado.
Para a pedagoga Simone Albuquerque, “a lei preenche uma lacuna importante ao tornar a proteção um padrão de fábrica, e não uma opção escondida em menus”. Entretanto, a especialista lembra que tecnologia não substitui diálogo: “Ferramentas ajudam, mas a mediação ativa dos adultos continua imprescindível”.
Outro detalhe relevante é a necessidade de botões de denúncia e guias educacionais visíveis em todas as telas. Plataformas que não apresentarem relatórios semestrais de transparência poderão ser multadas.
Loot boxes e publicidade: novas regras para o mercado de games
As loot boxes — caixas virtuais que oferecem itens aleatórios mediante pagamento — entraram no radar legislativo por estimularem dinâmica semelhante ao jogo de azar. O PL define que:
- Cada caixa comprada deve obrigatoriamente conceder ao menos um item ou vantagem; proíbem-se “caixas vazias”.
- Jogos precisam exibir probabilidades reais de obtenção de itens antes da compra.
- Crianças menores de 13 anos só poderão comprar loot boxes com autorização comprovada do responsável legal.
A mudança impacta diretamente desenvolvedores de alto faturamento, como as franquias esportivas anuais e os battle royales. Analistas de mercado preveem que empresas terão de repensar monetização, migrando de mecânicas aleatórias para pacotes de conteúdo claro e transparente.
Quanto à publicidade, banners, vídeos e filtros patrocinados direcionados a menores não poderão usar recursos de manipulação emocional ou incentivo a compras por impulso. A mensagem publicitária deverá ser claramente identificada como tal, em linguagem compatível com a idade do público-alvo.
Autoridade de fiscalização e penalidades: como será a aplicação
Para evitar que o texto vire letra morta, o Senado aprovou a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes no Ambiente Digital (ANPCAD). O órgão terá independência administrativa e orçamento próprio, definido em lei específica. Suas principais atribuições incluem:
- Normatizar detalhes técnicos do PL, como padrões mínimos de verificação de idade.
- Auditar algoritmos de recomendação que impactem menores.
- Receber denúncias, instaurar processos administrativos e aplicar sanções.
O sistema de penalidades previsto é escalonado:
- Advertência formal com prazo de adequação.
- Multas progressivas que podem chegar a R$ 50 milhões por infração.
- Suspensão temporária de atividades ou de funcionalidades específicas.
- Proibição definitiva de operação em território nacional em caso de reincidência grave.
Segundo o relator Flávio Arns, “o objetivo é educar primeiro, punir se necessário”. No entanto, o senador alerta que servidores e diretores que descumprirem ordens da ANPCAD poderão responder por crime de desobediência.
Impactos imediatos para famílias, educadores e empresas
Depois da sanção presidencial, plataformas terão 180 dias para adaptar suas políticas internas. Para as famílias, a principal consequência será o acesso a controles mais claros e eficientes. Escolas, por sua vez, ganham respaldo jurídico para exigir filtros de conteúdo em laboratórios e atividades online.
As empresas precisarão rever processos de design, coleta de dados e segmentação de anúncios. Profissionais de marketing terão de calibrar campanhas para cumprir as restrições e, ao mesmo tempo, manter o engajamento. Advogados de compliance digital recomendam criar comitês internos e atualizar termos de uso antes da entrada em vigor.
Por fim, a adultização de crianças na internet passa a ser combatida com instrumentos legais que equilibram proteção e liberdade de expressão. Resta acompanhar a sanção presidencial e a instalação da ANPCAD para que o Brasil transforme o texto legislativo em melhorias concretas na experiência online de milhões de menores.











