Você já se perguntou se trabalhar registrado realmente deixa menos dinheiro na conta do que atuar como autônomo? A discussão ganhou força com o avanço do home office e do empreendedorismo individual. Impostos, contribuições e benefícios variam muito de uma modalidade para outra, o que pode confundir quem avalia mudar de regime. Neste artigo, analisamos dados oficiais do Ministério do Trabalho, da Receita Federal e do Sebrae para mostrar, na prática, onde você paga mais e onde economiza. Ao final, você terá clareza para escolher o caminho que melhor atende à sua realidade financeira e profissional.
Como funcionam os descontos na carteira assinada
O profissional registrado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem o salário bruto reduzido por quatro descontos principais:
- INSS: alíquotas progressivas de 7,5% a 14% sobre faixas de salário.
- Imposto de Renda Retido na Fonte: a partir de R$ 2.112,00 com alíquotas de 7,5% a 27,5%.
- Contribuição sindical facultativa: média de 1 dia de salário por ano.
- Planos corporativos (saúde, odontológico, vale-refeição), se houver coparticipação.
Para quem recebe R$ 4.000,00 brutos, o INSS chega a R$ 413,40 e o IRRF a R$ 138,22, segundo a tabela 2024. O líquido aproximado fica em R$ 3.280,00, antes de benefícios. Embora pareça pesado, esse valor garante direito automático a férias remuneradas, 13.º salário, FGTS de 8% depositado pelo empregador e seguro-desemprego em caso de demissão sem justa causa. Esses itens não entram no holerite mensal, mas representam cerca de 30% de custo adicional arcado pela empresa.
“O trabalhador esquece que o FGTS e o 13.º são parte indireta do salário”, destaca o auditor-fiscal Otávio Amaral, da Receita Federal.
Tributação e obrigações de quem é autônomo
No trabalho autônomo, não existe holerite nem descontos diretos; o profissional precisa recolher tributos por conta própria. As alternativas mais comuns são:
- MEI – Pagamento fixo de R$ 70 a R$ 85/mês que inclui INSS de 5% do salário mínimo e impostos municipais ou estaduais.
- Contribuinte individual – INSS de 20% sobre o faturamento, limitado ao teto (R$ 7.786,02 em 2024).
- Simples Nacional – Para microempresas que faturam até R$ 4,8 milhões. Alíquotas iniciam em 6% e podem chegar a 33%, variando por atividade e faixa de receita.
Além disso, o autônomo emite nota fiscal, paga ISS em muitos municípios (2% a 5%), pode precisar de contador e não tem recolhimento de FGTS. O pró-labore também sofre retenção de IRPF anual. Se o faturamento ultrapassar o limite do MEI (R$ 81 mil ao ano), a carga tributária sobe de forma significativa.
Benefícios escondidos de trabalhar registrado
Nem tudo se resume ao salário líquido. Quem opta por trabalhar registrado conta com garantias que raramente aparecem no regime autônomo:
- Férias remuneradas com adicional de 1/3.
- 13.º salário integral.
- Licença-maternidade ou paternidade paga pelo INSS.
- Seguro contra acidentes de trabalho.
- Fundo de Garantia passível de saque em demissão, compra de imóvel ou doenças graves.
No caso de um salário de R$ 4.000,00, o 13.º representará mais R$ 4.000,00 no ano, e as férias outros R$ 5.333,00 (salário + 1/3). Dividindo esses R$ 9.333,00 extras por 12 meses, o ganho real é de R$ 777,75 mensais. Portanto, o líquido “escondido” pode elevar a renda mensal efetiva para R$ 4.057,75, superando, muitas vezes, a retirada de autônomos que não se disciplinam para poupar.
Vantagens e riscos financeiros de ser autônomo
A liberdade é o maior atrativo de quem escolhe ser autônomo. Entre os pontos positivos estão:
- Definição de preço e carga horária.
- Possibilidade de atender vários clientes e escalar o faturamento.
- Dedução de despesas operacionais para reduzir imposto devido.
Contudo, a instabilidade de renda merece atenção. Sem férias pagas, afastamentos ou FGTS, o profissional precisa montar reserva financeira de, no mínimo, seis meses de custos fixos. Outra armadilha é o carreteiro fiscal: atrasar o DAS ou o INSS gera multas de 0,33% ao dia, limitadas a 20%, mais Selic.
“Autonomia exige disciplina dobrada: quem não calcula o preço já com impostos pode confundir recebimento com lucro”, alerta a contadora Ariane Silva, especialista em MEI.
Simulações práticas: quem leva mais no bolso?
Para ilustrar, veja duas simulações com base em 2024:
- Profissional de marketing faturando R$ 6.000,00 como MEI: paga R$ 85,00 de DAS e retira R$ 5.915,00 líquidos. Se contribuísse como CLT com o mesmo bruto, receberia cerca de R$ 4.920,00 líquidos, mas teria 13.º, férias e FGTS, elevando o ganho efetivo para R$ 5.697,00. Diferença anual: R$ 2.616,00 a favor do MEI.
- Engenheiro de software com contrato PJ de R$ 12.000,00 mensal no Simples: alíquota média de 15,5% (R$ 1.860,00), pró-labore INSS de 11% (R$ 1.320,00) e IR anual pela tabela completa. Retirada líquida aproximada: R$ 8.820,00. Um salário CLT de R$ 12.000,00 resultaria em R$ 8.400,00 líquidos mensais, mas ganhos diretos e indiretos (13.º, férias, FGTS) levariam o total a R$ 9.870,00. Diferença: R$ 1.050,00 mensais a favor da carteira assinada.
O exercício mostra que a resposta depende da faixa de renda, do regime tributário escolhido e, principalmente, da disciplina de poupar. Quanto maior o faturamento, mais vantajosa tende a ser a CLT em termos de benefícios ocultos. Já para rendas até R$ 6.750,00, o MEI costuma garantir maior liquidez imediata.
Como decidir entre carteira assinada e autonomia
A escolha não deve se basear apenas em quem paga menos imposto. Pergunte-se:
- Tenho perfil empreendedor ou prefiro a estabilidade de um holerite?
- Consigo formar reserva para férias, doenças ou aposentadoria?
- Meu setor permite cobrar valores que compensem a carga tributária como PJ?
- Valorizo benefícios corporativos, como plano de saúde e participação nos lucros?
Para quem prioriza segurança, trabalhar registrado continua competitivo. Já quem deseja escalar ganhos e tem controle financeiro, ser autônomo pode render mais. Nada impede transitar entre modelos: muitos profissionais começam na CLT, estruturam networking e, depois, migram para a autonomia já com carteira de clientes consolidada.
No fim das contas, entender o peso de cada imposto e benefício evita surpresas e coloca você no comando da sua renda.