Uma pesquisa feita em conjunto pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou, no final de fevereiro, que 130 mil vidas poderiam ter sido salvas apenas esse ano se o Brasil tivesse começado a vacinação em massa ainda em janeiro. Outro levantamento concluiu que políticas públicas efetivas contra a disseminação do coronavírus teriam salvado pelo menos 200 mil pessoas. Em outras palavras, quase metade dos registros de óbitos poderiam ter sido evitados se a pandemia fosse bem gerida.
A princípio, essa conclusão parece exagerada, mas não é difícil entender a lógica da pesquisa, especialmente depois que o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), explicou o resultado. Se o mundo registra, até o momento, 3,9 milhões de óbitos por covid-19 e o Brasil tem 2,7% da população mundial, então, proporcionalmente, devíamos ter apenas no 105,3 mil mortos. Isso significa um excedente superior a 400 mil vítimas.
“Desde o começo da pandemia, o país concentra praticamente 13% das mortes por covid-19 no mundo. Portanto, é tranquilo de se afirmar que quatro em cada cinco mortes pela doença no Brasil estão em excesso, considerando o tamanho da nossa população”, disse Hallal.
Além disso, o especialista apontou que aqui morrem mais de duas mil pessoas a cada milhão de habitantes, mas essa proporção fica abaixo de 500 nos outros países. Alguma coisa muito errada aconteceu no Brasil, algo que fez muito mais gente morrer do que no resto do mundo. Nosso número de óbitos está 67% acima do que seria esperado para as projeções desse ano.
As vidas que poderiam ter sido salvas
O mais triste sobre esses números assustadores é que o Brasil nem precisaria ser um exemplo no combate ao coronavírus para ter salvado milhares de vidas. “Se nós estivéssemos na média, como um aluno que tira uma nota média na prova, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil”, avaliou o epidemiologista.
Os especialistas estão chamando esses óbitos de “mortes evitáveis”, pois não existiriam se tivéssemos medidas capazes de reduzir os níveis de transmissão do coronavírus, como o distanciamento físico e o incentivo ao uso das máscaras. Além disso, a estatística nem considera outros problemas que enfrentamos na gestão da pandemia, como a falta de leitos, materiais e medicamentos. Muitas pessoas teriam sobrevivido se tivessem acesso ao cuidado adequado.
Para além da alta disseminação da doença, a baixa taxa de vacinação parece ser um fator relevante para grande quantidade de óbitos. Hallal admitiu que “o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes”.
As pesquisas
Para encontrar um denominador comum, os investigadores compararam os dados brasileiros com os de outros quatro lugares: Argentina, Equador, Chile e União Europeia, considerando as medidas não farmacológicas e o ritmo de vacinação contra a covid-19.
Os resultados foram divulgados num artigo que ainda será revisado por outros especialistas, e mostram que 127 mil pessoas ainda estariam vivas se vacinação “em condições ideais” tivesse começado no dia 21 de janeiro de 2021. Seria necessário aplicar diariamente 2 milhões de doses, o que era possível com toda a estrutura já disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Para se ter noção do impacto que isso teria no país, a pesquisa fez uma projeção que mostrava que, se 1,2 milhão de pessoas fossem vacinadas diariamente com a CoronaVac, considerando 100% de proteção contra os quadros mais severos, seria possível diminuir em 65% as mortes por covid-19. Por outro lado, “o rápido aumento da cobertura vacinal entre idosos brasileiros foi associado a quedas importantes na mortalidade relativa em comparação com indivíduos mais jovens”, escrevem os cientistas.
De qualquer forma, esses dados são apenas uma projeção e, apesar da pesquisa criteriosa, é difícil calcular com precisão quantas dessas vítimas poderiam realmente ter sido poupadas.